No dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora, 8ª Edição revista e actualizada, Reclamação significa: s.f acto ou efeito de reclamar; reivindicação; protesto; DIREITO impugnação da decisão junto do próprio orgão que a proferiu (do lat. Reclamatione – acto de desaprovação).
No entanto, tal como o dicionário indica, estamos em Portugal. Logo, quem reivindica são os militantes ou do Partido Comunista, ou do Bloco de Esquerda, quem impugna são os advogados enquanto que quem protesta é o comum dos mortais.
Ou seja, o que pessoal gosta mesmo é de protestar. Com razão, sem razão, com legitimidade, sem legitimidade, com motivos ou sem motivos a verdade é que nada disso interessa. O que interessa é a verbalização do sentimento de desaprovação que nos vai na alma seja por que motivo for. Ora até aqui, tudo bem. Reclamar ou protestar, é chamar a atenção para a existência de um qualquer problema que necessita de uma solução. Solução essa que terá de ser eficaz para que não voltem a suceder transtornos.
No entanto, o que a maioria das pessoas parece desconhecer é que reclamar é uma arte e como acontece em qualquer tipo de arte, há uns que têm um talento natural, há outros que não tendo talento nenhum aprendem o ofício e outros há ainda que não tendo sido dotados de qualquer vocação nem submetidos a qualquer tipo de aprendizagem para, pensam que o podem fazer assim de qualquer maneira. Escusado será dizer que a esta categoria pertencem aqueles que adoram ouvir o seu próprio eco quando gritam no topo de uma montanha, até porque se não forem eles a ouvir-se a si próprios mais ninguém lhes liga. É um bocado como a história do pastor e dos lobos, que quando os lobos se transformam numa ameaça real, ninguém liga puto ao pastor tantos já tinham sido os falsos alarmes anteriores.
Recorrendo novamente às minhas memórias sobre acontecimentos recentes, ou seja, voltando à estação de correios (eu sei, é impressionante o que se pode observar em 10 minutos numa estação dos CTT), onde eu estava à espera para registar a minha carta, assisti a uma moça que farta de tanto esperar, às tantas pôs-se a reclamar em voz alta para toda a gente ouvir.
Eu não sei se estão bem a ver... Cinco e meia da tarde numa estação dos correios, em época de Natal, época em que todas as empresas entram naquela euforia de enviar cartõezinhos e prendinhas a toda a gente que conhecem e então contratam uns senhores reformados para levar uns caixotes de cheios de cartas e brindes para despachar na estação de correios mais próxima. Como consequência desta generosidade natalícia, estes prestadores de serviço temporário isentos do pagamento de impostos directos, entopem os guichés disponíveis e está tudo tramado porque já ninguém sai dali antes da meia-noite. Ou seja, a rapariga estava coberta de razão nos seus protestos, a vários níveis (embora eu tema que ela não soubesse disso).
Assim, o tempo passava e a moça reclamava. O tempo passava e lá ia ela dizendo que Portugal era um país de 3º Mundo (como sabem, isto cada um tem o direito de pensar o que quiser), e que estas coisas não aconteciam num país civilizado porque ela tinha estado a viver fora de Portugal e sabia muito bem como as coisas funcionavam lá fora. É claro que a moça certamente ignorava que, a análise desta mesma situação em vários países diferentes tem também resultados diferentes, é tudo uma questão de perspectiva e de localização geográfica, mas adelante rocinante porque a pobre coitada não deixava de ter razão por causa disso.
Acontece que quando chegou a vez da miúda, ela fez o que tinha a fazer e ala que se faz tarde. Ou seja, visto que já tinha tugido e mugido tudo antes de chegar a vez dela, quando foi atendida não piou mais. Ora face a isto, eu que até tinha simpatizado com os protestos da rapariga, passei a considerar que a moça afinal sofria de alguma patologia psiquiátrica séria e que aquilo tinha sido, apenas, mais um surto. Porquê? Perguntar-me-ão. Fácil. Todos os estabelecimentos abertos ao público têm obrigatoriamente, de ter um livro de reclamações e ao contrário do que as pessoas pensam, esse objecto não está lá a título meramente decorativo. Está lá para ser utilizado em situações como esta, ou outras que os seus clientes igualmente desaprovem. O problema é que as pessoas não estão para se dar ao trabalho, porque reclamar a sério dá trabalho e o que a moça se esqueceu de referir quando disse que tinha estado a viver uma temporada fora do país, é que se calhar nos serviços dos outros países isto não acontece, porque os seus clientes quando reclamam dão-se ao trabalho de o fazer porque querem ver um determinado tipo de situação resolvida, para que tal não volte a acontecer nem aos próprios, nem a mais ninguém.
Aqui, aquilo que as pessoas fazem é não assumirem as responsabilidades quer daquilo que dizem, quer daquilo que fazem, tenham ou não a razão do seu lado. Sendo que tendo a razão do lado deles e não fazendo nada, o caso é bem mais grave e tanto quanto o seu contrário, revela uma série de falhas a nível do próprio perfil do indivíduo (e.g revela coisas como: insegurança, egocentrismo, tendência para sacudir a água do capote, falta de respeito pelo outro, etc.).
Quem me conhece sabe que não sou pessoa de falar muito e muito menos de grandes estrilhos. No entanto não sou nenhum menino do coro e como qualquer outra pessoa tenho os meus defeitos e as minhas qualidades (embora de vez em quando tenha de me esforçar um pouco para as encontrar, porque passo demasiado tempo a tentar contrariar os meus defeitos). Contudo, também todos sabem que quando mordo ficam lá as marcas da minha dentadura bem vincadas. Por isso, quando se protesta recorrendo a juízos de valor de carácter geral, como a designação de 3º Mundo, e depois não se faz uso dos instrumentos que nos são disponibilizados, só posso concluir que não são as organizações que são terceiro mundistas (aceito opiniões divergentes), porque essas são dotadas de instrumentos que viabilizam a apresentação de uma reclamação. Quem tem uma mentalidade terceiro mundista são indivíduos que, como esta rapariguita, quando são confrontados com este tipo de situações ladram muito, mas a caravana passa.
Tal como a estupidez, reclamar é um direito que nos assiste a todos. No entanto, reclamar sem transformar esse sentimento de desaprovação num acto formal é estupidez. Em ambos os casos cabe-nos a nós a decisão de o exercer ou não.
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