terça-feira, fevereiro 22, 2005

CORRECÇÃO DE ALGUMAS INJUSTIÇAS

Hoje resolvi pôr a mão na consciência (de vez em quando há que fazer isso para não deixar-mos que o nosso lado selvagem tome conta de nós), e corrigir alguns comentários que, de alguma forma, até foram injustos. Por isso, hoje vou tentar não lançar nem punhais e adagas, nem toda a artilharia pesada contra aqueles que já estão politicamente de rastos (até porque seria um desperdício de recursos). Neste caso em concreto estou a falar do CDS/PP de Paulo Portas.

De todas as pessoas com quem pude conversar ontem, nenhuma partilhava da minha ideia de que, a demissão de Paulo Portas da presidência do Partido Popular tinha sido mais uma manobra política (o que me deixou incrivelmente frustrado, porque ainda por cima essas pessoas eram quase todas de cor vermelha). Pelo meu lado eu continuo a acreditar que a hipótese da manobra continua a constituir uma grande probabilidade e com muito boas hipóteses de sucesso. Só acreditarei que não é assim quando no fim do respectivo congresso surgirem com um novo presidente.

Também continuo a acreditar que o falhanço da coligação se ficou a dever ao facto (não única e exclusivamente é claro, mas com um peso muito importante), de muitos militantes do PSD (e do CDS/PP), não concordarem com a existência desta aliança pelas mais diversas razões, incluindo o facto do presidente do PP ser o Paulo Portas (e aqui as querelas mal resolvidas ganham extrema importância porque não se esquecem, nem se perdoam).

Nesta mesma lógica, também continuo a acreditar que no CDS/PP há imensos “Soldadinhos de Chumbo”. Gente nova, entusiasmada, aguerrida e cheia de coragem para enfrentarem as “guerras políticas”, mas que não têm a mais pequena noção da realidade. O mundo que conhecem está longe de ser o mundo em que a maior parte das pessoas vive e isso nota-se no tipo de discurso por eles proferido. Vejam bem, não pode ser admissível que um secretário de estado (ou lá o que o rapaz era), diga para o país inteiro qualquer coisa como: “Ah quando cheguei à secretaria de estado, a única coisa que percebia sobre o Mar era a mesma coisa que o resto dos portugueses quando vai para a praia andar de barco”. Declarações destas são altamente penalizadas por vários motivos; primeiro porque está a dizer que não percebia nada do assunto, segundo porque a maior parte dos portugueses não costuma ir para a praia andar de barco. No máximo os barcos em que andam, todos os dias, são os da Transtejo que fazem a ligação entre Lisboa e a Margem Sul.

Aquilo que o rapaz disse até pode ser a mais completa verdade, mas esta é uma daquelas verdades que nunca se podem dizer, à frente de uma televisão, a um país inteiro. Esta foi uma daquelas declarações que demonstra a fraca percepção da realidade em que a maior parte dos portugueses vive, porque ‘ir para a praia andar de barco’ pode ser a realidade dele (e não tem absolutamente nada de mal nisso), mas não é a realidade dos outros e por isso os outros não se identificam com o discurso. Poderá eventualmente ser uma aspiração, mas não é essa aspiração que reflecte o imediato e por isso, também, é que as pessoas que ocupam esses cargos políticos devem ter muito cuidado com aquilo que dizem. É verdade que os jornalistas não ajudam nada (eu diria mesmo que são tramados), mas é essa a função deles e quem ocupa esses cargos tem de estar preparado para lidar com isso.

Ao contrário do que pensam os nossos analistas mais colunáveis, eu não quero acreditar nas previsões de que o CDS/PP corre o risco de se diluir nas alas do PSD até porque acho que o CDS/PP tem um eleitorado (que tem sido muito negligenciado). Estes senhores, a única coisa que precisam de fazer é definir, objectivamente, quem é o seu público-alvo e quais são as suas características. A partir daqui estabelecem uma estratégia que vá ao encontro das necessidades deste público.

Não seria tolo de todo, dizer que o eleitorado deste partido é a classe média (aliás há cartazes da última campanha que apontam nesse sentido, vieram foi tarde demais), mas para tornarem isto numa realidade não podem ser incoerentes nos objectivos nem no discurso e muito menos nas acções. Apelar aos votos dos pobrezinhos até pode ser extremamente interessante, mas não são esses que votam no PP. A doutrina social da Igreja até pode ser muito engraçada, mas é da competência da Santa Casa da Misericórdia, não de um partido. Aquilo que neste momento pode assegurar a sobrevivência do CDS/PP é apelar à coesão da classe média (aquela que resta pelo menos), e defender os seus interesses. Associarem-se aos ideais de instituições seculares é bonito, mas deve ser gerido com muito bom senso porque nem todos aqueles que pertencem a essa classe, se identificam com esses princípios.

Há uma coisa que nunca se devem esquecer, independentemente de muitos entendidos acharem que isto já está ultrapassado, Aristóteles (é verdade, adoro o homem, vou lá saber porquê!), dizia que a classe média é o sustentáculo da democracia. Se não houver classe média (ou esta estiver em vias de extinção, como é o caso), existe a tendência para as coisas degenerarem em autocracias. No caso do CDS/PP é esta, no meu ponto de vista, a única classe que pode assegurar a sobrevivência do partido, mas para isso têm de existir uma compatibilidade entre os objectivos políticos do partido e os interesses da mesma. Sem demagogias, nem ideias de como seria bom se todos pudéssemos ir para a praia andar de barco. Quem pode, pode, quem não pode, não pode. Mas ninguém é mais, nem menos por isso.

Quanto aos pobrezinhos, esses não pagam impostos porque estão isentos. Quanto aos milionários, esses pagam o que lhes der na cabeça e o resto está numa conta nas Ilhas Cayman. A classe média é a única que está a arcar com todas as despesas e não acha grande graça quando os políticos dizem que, uma família com um rendimento de 2.000,00€ brutos é rica. Tal como já disse no meu comentário de ontem, eu não sou ninguém para dar conselhos (e muito menos a um partido), mas penso que devem repensar também o vosso modelo económico e financeiro.

No que respeita á segurança social e à história das reformas, em vez de se estarem a preocupar com o aumento ou diminuição da idade da mesma porque é que não optam por um modelo mais livre? A partir de uma determinada idade a pessoa reforma-se quando quiser, se voltar a entrar no mercado de trabalho, se tiver um negócio próprio ou se trabalhar por conta própria, suspende-se a reforma e volta a pagar impostos. Esta é uma daquelas coisas que funciona lindamente no Reino Unido, não estou a ver porque razão não haveria de funcionar aqui. Seria muito mais justo para todos.

«Prontos», era isto que eu queria dizer aos PP’zinhos que maltratei. Vocês são um exército de gente nova (com a grande desvantagem de ter pouca experiência em muitas áreas, mas estão sempre a tempo de aprenderem e ninguém morre por isso, acreditem), que perdeu uma batalha mas estão longe de perder a guerra, ainda que a cacetada tenha sido bastante grande. É claro que nessas andanças haverão sempre mortos e feridos, mas não é altura para baixar os braços ou esmorecer e às vezes vale muito a pena dar um passo atrás para depois dar dois para a frente.

8 comentários:

Anthrax disse...

Finalmente um adepto para a causa da 'manobra'!! Pelo menos já não me sinto como um fungozinho solitário.

crack disse...

Querido amigo Anthrax, parece que não há, mesmo, manobra nenhuma. E, já agora, embora eu nada tenha a ver com o assunto, até gostava que não houvesse, que o homem foi digno, e dignidade, em Portugal precisa-se.Muita.
Pode haver estratégia, a prazo, mas isso não fica mal a um político, pois não?

Anthrax disse...

Querido amigo Crack (e não só), atenção... em momento nenhum eu disse que o senhor não tinha tido uma atitude digna.

Acredito que ele disse e fez aquilo que achou que, devia ser feito de acordo com as circunstâncias. E isso não só é digno, como deve ser respeitado.

Da mesma forma que se for uma estratégia a prazo, deve ser respeitada também. Mas a ser este o caso, aqui já há espaço para criticar à vontade e a minha critica, não é nada comparada com a dos profissionais.

Mas também lhe digo já, eu penso que o coitado do homem vai ser preso por ter cão e preso não ter. É que por enquanto, ainda está tudo a considerar o gesto como digno. Depois do governo tomar posse, não garanto que a coisa continue assim. É só uma questão de tempo até começarem a dizer o contrário (até pode ser que não pegue, mas estamos a falar de socialistas eu não confiava).

Por outro lado, admitindo a hipótese de manobra (que muito honestamente não tem problema nenhum), vão cair em cima dele em menos de um fósforo.

Seja qual for a opção, o ainda líder do PP não tem o perfil, nem o comportamento de uma pessoa que desiste. Independentemente de se gostar ou não da figura ou das ideias que defende, basta olhar para ele. Mesmo quando fez a sua declaração, mesmo quando disse que não tinha alcançado os objectivos a que se tinha comprometido, ele não tinha um ar derrotado.

Estava abalado, lógico, só tinha que estar depois da marretada que o seu partido levou. Mas estar abalado, não é bem a mesma coisa que estar derrotado. Se gravaram as imagens das notícias, vejam-nas outra vez. As palavras que lhe saiem da boca, não correspondem com a sua linguagem corporal e ao mesmo tempo ele transmitiu duas mensagens diferentes. A primeira, foi a que todos ouviram a segunda, na minha opinião, contraria a primeira.

O Paulo Portas é uma pessoa extremamente inteligente e seja qual for, das duas mensagens, a verdadeira, nenhuma delas é politicamente uma má estratégia. Muito antes pelo contrário! Só que não sou eu que tenho de dizer isto, porque teoricamente eu nem sequer sou do PP! Eu tenho é que lhes chamar nomes e picá-los até fazer sangue, só para mostrar que estão vivos e ainda mexem. Não para os enterrar, mas porque são um partido importante independentemente do revés que possam ter sofrido.

Eu sei que pode não parecer, mas nem tudo o que parece é. Não é verdade?

crack disse...

Meu querido Anthrax, eu sei bem o que pensa e o que quer dizer.
Paulo Portas é um político talentoso, mas é daquelas personagens a que ninguém fica indiferente, geralmente numa perspectiva negativa. Isto é, ele gerou demasiados e ferozes anticorpos. Como também é típico destas personagens, as fidelidades também são caninas,mas, infelizmente para ele (e por sua culpa) em número reduzido.
Seja na pele de jornalista, seja na de deputado, seja na de presidente do seu partido, seja na de membro dos últimos governos, teve um papel relevante na política portuguesa. Relevante, porque condicionou, marcou agendas, destruiu e construiu, acertou e errou, enfim, porque existiu na cena política e ninguém lhe conseguiu impor regras que não as suas eas daquilo em que acreditava.
A ele não se deve esta derrocada da direita, mas por ela paga o seu preço, como deveria ser feito.
Não o julgo acabado para a política, também não acredito que deixasse esta de lhe interessar. Como diz, julgo que recua agora, para voltar com outra dimensão. O tempo tem esse efeito mistificador, às vezes, para alguns. Pode ser que funcione também com ele.
Uma coisa é certa: não temos assim tantos políticos talentosos para podermos desperdiçar um. Nem que seja para servir de saco de boxeur.

Virus disse...

Pois é meus caros...as cabeças começaram a rolar...primeiro a do PP e agora a do PSL. Posso dizer que o segundo faz tanta falta ao PSD como a mim um tumor cerebral, já o primeiro é outra história...
Temos de dar o seu a seu dono, e o senhor PP tem sido, e confirmou-o na noite das eleições (independentemente de quaisquer manobras que possam ter havido ou vir a haver)que foi o melhor que aconteceu ao CDS/PP nos últimos 15 anos. Foi um excelente líder, coerente, apreciado pelas bases e pelos barões (bom...a grande maioria pelo menos), fiável, sério (de uma maneira geral), protector da sua equipa ao mesmo tempo que não admitia dissidentes, sem vergonha e medo das decisões que tomava (mesmo as erradas...mas também só não erra quem não as toma), em suma quase tudo o que me lembro que um verdadeiro líder deve ser (exactamente o oposto do PSL com o seu "menino" e a sua "incubadora").
Posso dizer que o CDS/PP só não teve o meu voto garantido por um único motivo...eu sou um cavaquista ferrenho, daqueles que participou em todas as campanhas por onde o Cavaco andava!...até poderia perdoar o que ele tentou fazer ao Cavaco quando esteve no Independente, mas não posso esquecer, e como também sou coerente (ou pelo menos tento ser)não posso em boa consciência votar na pessoa que mais prejudicou o PSD nos seus tempos áureos e que "ajudou" o PS a ir para o Governo. Se não fosse esse "pequenino" detalhe era ali que o meu voto ia caír...mas há coisas que não se esquecem...e o problema do CDS/PP e do PP é que como eu muitos outros PSD's que fácilmente iriam votar CDS/PP nestas eleições em vez de votar PS como o fizeram (eu por acaso não o fiz), só que tal como eu esses "outros" ainda têm o Cavaco no coração, e por melhor político que o PP seja (que o é, pois tomara o Mário Soares com a idade do PP ter metade da sua categoria e do seu nível) nunca lá irão meter o seu voto. É pena...pois não há dúvida que ali está o material de que os políticos são feitos!...E tenho algumas dúvidas que o CDS/PP encontre outro líder do calibre do PP nos próximos anos, o que é um desperdício, porque o que poderá vir a acontecer é que os "putos da 24 de Julho", que pouco ou nada conhecem da vida real, podem ganhar um ascendente perigoso nos lugares de direcção do PP, afastando-o assim do seu potencial público-alvo, que como o caro Anthrax diz, e bem, é a classe média, predominantemente urbana. Só lhes posso dize...boa sorte porque nós (do PSD) estamos melhor que vocês do CDS/PP...isto é, depois do PSL à frente do partido isto só pode é melhorar (até porque pior é melhor fecharem as portas e irem todos para casa fazerem croché!), quanto a vocês vai ser um bico-de-obra arranjar alguém melhor do que o PP!

Anthrax disse...

Ena ena! A isso é que chamo de 'inspiração' amigo Virus!!

Gostei particularmente da parte do "Tumor cerebral" e da parte do "ir para casa fazer croché". Estas duas são geniais (mas também vindas de si, não esperava menos). De resto, concordo consigo (na sua perspectiva frontal), e concordo com o Crack (na sua perspectiva politicamente correcta).

No que respeita ao aspecto do público-alvo expresso pelo Virus que, aliás está certíssimo no que respeita à classe média urbana (e que no fundo é essa que lhe poderá eleger um maior número de deputados e para a qual o CDS/PP terá de adoptar um outro tipo de discurso se os quiser agarrar), ainda há outro tipo de público onde podem ir buscar votos, que são os pequenos proprietários do interior (esses sim, com um perfil tradicionalmente conservador que já não se encontra nos grandes centros urbanos). Para este segundo tipo, teriam de adoptar um outro discurso diferente. Mas atenção, porque este discurso deveria ser apenas diferente na sua forma e não no conteúdo geral (é claro que em termos específicos haveria de ter em conta a realidade local).

Para além disso, há ainda que dizer outra coisa dirigida especificamente ao CDS/PP. Realmente, como diz o amigo Crack, a derrocada da direita não se deve ao PP (eu estou convencido que eles realmente acreditaram que os dois partidos juntos conseguiam superar os votos do PS e por isso é que mantiveram o acordo de coligação pós-eleitoral), quem falhou em toda a linha foi de facto o PSD. Mais, quem apanhou com os estilhaços da incompetencia das pessoas do PSD foi o CDS/PP, pois foram os únicos que nunca causaram nenhuma confusão. Tudo bem que não resolveram problema nenhum na área da Justiça, mas em contrapartida no âmbito da Defesa Nacional, dúvido que apareça alguém capaz de fazer o que o PP fez. Não se pode agradar a gregos e troianos - tudo bem, não discuto - mas o homem foi competente. Foi um homem com sentido de Estado, ou seja foi exactamente o contrário do que o DB e o PSL foram.

Voltando ao discurso do PP na noite das eleições, houve uma coisa que não gostei e que foi a alusão que ele fez à diferença percentual entre Democratas Cristãos e Trotskistas. Pessoalmente, creio que esse foi o pico de emoção no discurso e penso que não o devia ter dito. Não porque não seja verdade, mas porque penso que o enfâse da diferença entre esquerda e direita deve-se deslocar para a diferença entre competentes e incompetentes (no sentido de, quem tem competência para exercer determinado cargo ou não). Não quer dizer que as diferenças entre esquerda e direita não existem. É claro que existem e são doutrinais, quer apenas dizer aquilo que já disse por diversas vezes (mas ninguém me liga), as pessoas têm problemas e querem-nos resolvidos.

Enfim... Não acredito muito que este governo vá ser a solução, mas enquanto há vida, há esperança e quando não houver esperança, emigra-se.

Virus disse...

Meu caro Anthrax, e outros demais, caso ainda ninguém tenha percebido, ou não o queira dizer, a alusão aos "trotskistas" e ao radicalismo de esquerda é uma "directa" e bem directa ao seu "querido" irmão Miguel, que (esse sim...até usa cuecas com uma foto do Trotski-o que em minha opinião está correcto pois coloca-o no sitio certo onde ele deve estar...junto a...diante). Aquilo é a competitividade dentro da família levada ao extremo. O Miguel voou...o Paulo estoirou...e isso para alguém com a dimensão do seu ego, e habituado a ver o outro lá em baixo, doeu...e não foi pouco. Mas qual Fênix ainda o vamos ver renascer das cinzas, não para já, mas um dia...

Virus disse...
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