sexta-feira, julho 14, 2006

A ARTE DE FAZER "NADA"

Eu, sou daquelas pessoas que gosta muito de estar sempre a fazer alguma coisa e muitas vezes dou comigo a fazer "nada".

A primeira vez que me apercebi disto fiquei, naturalmente, preocupado. A ideia de fazer "nada" era um bocado assustadora, porém, depressa percebi que estava a misturar duas ideias distintas. "Fazer nada" é muito diferente de "não fazer nada", desde já porque quando dizemos "fazer" partimos do princípio que estamos a fazer alguma coisa e quando dizemos "não fazer", partimos do princípio que não estamos a fazer alguma coisa. Assim, fazer alguma coisa - mesmo que seja nada - é sempre mais positivo do que não estar a fazer nada.

A parte boa de fazer nada é a possibilidade de assistir a diálogos, absolutamente, fenomenais entre o Tico e o Teco (os dois neurónios). Muitos deles são absolutamente idiotas, outros nem por isso e noutros ainda, pegam-se os dois ao tabefe, mesmo assim todos eles são importantes.

No outro dia, ia eu para a estação de combóios de Alcântara-Terra quando, de repente, o Tico e o Teco iniciam mais um debate. Desta feita, o tema era ó "Fenómeno Jack Bauer e a Teoria dos Jogos". Então, começou assim a discussão:

Tico: Sabes de uma coisa mano, estive a ler umas coisas sobre a série 24h.

Teco: Ah sim? E qual é a importância disso?

Tico: Qual é a importância disso? É muita, pois claro, caso contrário não estaria a falar dela!

Teco: Não percebi.

Tico: Eu explico. Se ignorarmos todos os aspectos técnicos subjacentes ao formato do programa e nos debruçarmos, unicamente, sobre os aspectos relacionados com a personagem do Jack Bauer", vamos descobrir, acima de tudo, uma personagem bi-dimensional e isso é importante.

Teco: Não percebi... *breve pausa*... Além disso, personagens bi-dimensionais são demodés, ultrapassadas e muito, muito básicas. De hoje em dia, utilizar personagens bi-dimensionais para retratar o que quer que seja é demasiadamente redutor da condição humana.

Tico: Mas não neste caso. Repara, estamos a falar da retratação de situações extremas...

Teco: Não mano. Estamos a falar de um programa de entretenimento que retrata situações extremas e em que a personagem principal tem duas funções: 1- põe o dedo no gatilho; 2- tira o dedo do gatilho.

Tico: Lamento muito mas tenho de discordar. O "pôr o dedo no gatilho" e o "Tira o dedo do gatilho", só aparece na sequência de qualquer coisa.

Teco: Sim, aparece na sequência das cenas descritas no script.

Tico: Não, estúpido! * prega uma testinha no irmão* Aparece na sequência de um objectivo que se pretente alcançar e nesse contexto tem de se tomar a decisão de pôr, ou não, o dedo no gatilho... Que mania tens tu de simplificar tudo!

Teco: Eu não tenho a mania de simplificar tudo! Tu é que tens a mania de complicar tudo! Onde é que está o problema de uma personagem que põe e tira o dedo no gatilho?

Tico: O problema não está no pôr e no tirar o dedo do gatilho, mas sim numa questão prévia a essa e que é; o que é que se pode ganhar e o que é que se pode perder quando se põe, ou não, o dedo no gatilho?

Teco: Fácil. Se põe o dedo no gatilho é porque pretende ganhar alguma coisa, o problema está no falhar a pontaria. Se falhar a pontaria, aí perde.

Tico: Também, mas o ponto que referes ele só vai saber depois de premir o gatilho e nunca antes. Anterior a isso é a consciência de que quer ele ponha, ou não, o dedo no gatilho, a personagem vai sempre perder.

Teco: Então estamos a falar de uma personagem idiota.

Tico: Não. Estamos a falar na diferença entre serem muitos a perder, ou ser só um a perder. Se ele não puser o dedo no gatilho, muitos vão perder. Se ele puser o dedo no gatilho, é só ele que perde. Porque quando ele põe o dedo no gatilho, fá-lo para o bem de todos. Naquele caso, nunca estamos perante uma situação de "win-win", estamos sempre numa situação em que um ganha e outro perde.

Teco: Um jogo de soma zero, portanto.

Tico: Exacto.

Teco: Então toda a série deve ser vista na óptica de um jogo de soma zero. E não haverá espaço para um outro tipo de jogo?

Tico: Há. Há espaço para um jogo de soma -1. Ambos perdem, mas estas partes correspondem às secções dramáticas e uma vez ultrapassadas, no fim a soma é sempre zero. O herói ganha, o vilão perde, the end.

Teco: Então e os meios que ele utiliza para lá chegar. Não falaste neles. Porque convém referir que o herói ganha recorrendo a muitas patifarias pelo meio.

Tico: Quando falamos de um jogo de soma zero, em que a intenção dos intervenientes é ganhar, o meio pelo qual se chega à vitória é irrelevante. Não importa o meio que se usa desde que se ganhe.

Teco: Mas então o que é que separa o herói do vilão? Até porque ao atribuir-lhes estas designações corremos o risco de estar enganados nas identificações de cada um. E há que nunca esquecer que podemos estar perante dois heróis ou dois vilões, consoante a perspectiva.

Tico: Verdade. Mas as denominações de cada um pertencem a outro domínio que não o dos jogos. No jogo, há um que ganha e outro que perde. É só isso que é importante.

Teco: Então e a história do bem e do mal, não pode entrar aí?

Tico: Não, porque esse é um outro assunto completamente diferente sobre o qual haveremos de discutir da próxima vez que estivermos a fazer nada.

2 comentários:

crack disse...

Caro amigo, os seus "tequitos" são notáveis.Se bem percebi, assim a modos de exemplo: Socrates, jogo de soma zero;oposição, soma -1; ou nem por isso?
:))

Anthrax disse...

Caro Crack,

Depende da perspectiva. Pelo ponto de vista do "Zé Povinho" é, sem dúvida, um jogo de soma 0. Nós perdemos, eles ganham.

Na perspectiva do Sócrates pode ser um jogo de soma +1. Ganham eles e ganhamos nós porque a ideia é perder o menos possível.

No caso da oposição, também me parece que é um jogo de soma -1. Todos perdem.

Cara eu sei,

Pode ficar descansada. O Tico e o Teco não mordem.