segunda-feira, outubro 22, 2007

O TERRÍVEL PESO DAS CONSTATAÇÕES.

Hoje estive a ler o relatório da minha colega, que foi para um estágio, sobre Job Shadowing no Burgo do Reino Unido. Como não podia deixar de ser, senti-me ainda mais revoltado com a situação em que presentemente nos encontramos uma vez que a mesma não se deve, de forma alguma, à incompetência técnica dos elementos que compõem este burgo mas à incapacidade de gestão, coordenação e organização daqueles que hierarquicamente nos são superiores. Aliás note-se, não fosse a competência dos técnicos e já o nosso burgo tinha ido de cangalhas há muito tempo.

No que toca aos nossos colegas britânicos, em nada lhes ficamos atrás. Muito pelo contrário, ao nível do conhecimento dos procedimentos e regras definidas pela Comissão Europeia, temos um know-how que excede, claramente, o deles mas em termos práticos isto não nos serve para - rigorosamente - nada porque somos boicotados por aqueles que nos estão imediatamente acima. Ora, isto é uma coisa que não acontece com eles graças ao modelo de organização e capacidade de coordenação que os britânicos detêm. Além disso, eles têm uma coisa que nós efectivamente não temos (além das outras coisas essenciais que nós também não temos). Pessoal. O termo correcto para designar esta questão relacionada com a falta de pessoal é understaffed. Não é possível desempenhar um bom trabalho se não existirem recursos humanos suficientes para dar resposta ao trabalho existente (nem é possível desempenhar um bom trabalho se os recursos existentes estiverem mal organizados e coordenados). Da mesma maneira, a falta de recursos humanos vai - inevitavelmente - traduzir-se numa maior probabilidade de erro por parte daqueles que estão a trabalhar.

Outra constatação verdadeiramente atroz, que consta do relatório, é a questão da avaliação de desempenho. O burgo britânico utiliza aquilo que é por eles designado por Performance Management System e que tem como objectivo «assegurar e maximizar o desenvolvimento dos recursos humanos, numa perspectiva de melhoria pessoal contínua para o bem comum da equipa/instituição. De 3 em 3 meses cada funcionário reúne-se com a sua chefia directa e debate os seus objectivos específicos para os próximos 3 meses; adicionalmente procede-se à identificação de necessidades de formação. Esta entrevista é registada num plano de trabalho individual (Job Plan). Na reunião seguinte, reavalia-se a situação relativamente ao progresso definido na anterior e formula-se o plano para a reunião seguinte. No final do ano há 4 planos de trabalho que, em conjunto com as notas (Review) tiradas nas 4 reuniões pela chefia responsável por esse funcionário, permitem a avaliação anual (Anual Review) do desempenho e do desenvolvimento do funcionário».

É tal e qual como cá.

Nós aqui temos o Manual do SIADAP, que à excepção da questão das quotas, até está muito bem elaborado e teria uma implementação bastante positiva conseguissem os dirigentes abstrair-se da questão dos afectos. A grande maioria, se não todos, é incapaz de gerir a questão dos afectos e isto aliado à imposição de quotas é a catástrofe generalizada. Daí a desconfiança dos funcionários públicos - e com toda a legitimidade - em relação às avaliações. No entanto, o assunto das avaliações de desempenho não se esgota na incapacidade da gestão de afectos. Este é apenas um dos elementos porque a ele há que juntar a incapacidade de estabelecer objectivos, mesmo que o dito manual diga como é que se faz. Aquilo que os dirigentes britânicos são capazes de compreender e os dirigentes portugueses não, é que existem pelo menos 2 tipos de objectivos:

- aqueles que são os objectivos gerais da instituição, da política ou de um determinado programa;
- aqueles que são os objectivos especificos de cada funcionário e que se prendem, única e exclusivamente, com o job description do mesmo.

Isto não tem a ver com quantas vezes vamos tomar café com o "chefe/a" (e ficamos pelo café para não me dar para a ordinarice), nem com quantas vezes sorrimos para os colegas e muito menos com quantas vezes ficamos a trabalhar depois de cumprido o horário de trabalho. Isto tem a ver com coisas objectivas e mensuráveis num determinado período de tempo, que pode e deve ser desmultiplicado em horas, dias, semanas ou meses.

Como devem calcular, isto não é coisa que deva agradar aos dirigentes portugueses caso contrário a quem poderiam eles atribuir o fraco desempenho de um determinado organismo senão aos próprios? Seria a mesma coisa que se rotularem de incapazes e pior, enquanto numa empresa privada a questão ficaria resolvida por uma má aposta do departamento de recursos humanos que seria prontamente corrigida, no caso da Administração Pública como os dirigentes são colocados por nomeação seria a mesma coisa que dizer que um ministro não sabia seleccionar os seus dirigentes (o que não deixa de ser verdade na maior parte dos casos). Assim, enquanto para os britânicos se trata de uma questão de profissionalismo, para os portugueses trata-se de uma questão de amadorismo.

É este amadorismo, que se verifica na função pública, aliado a uma arrogância sem limites que me revolta. Quando se gere o que quer que seja não pode haver espaço para amadorismo. Um director da Vodafone, por exemplo, não pode ser amador, porque se for amador a Vodafone tem um problema. Da mesma maneira, um dirigente de um serviço público não pode ser amador, porque se for amador o desempenho do serviço que dirige tem um problema cujo único responsável é o próprio.

Portanto, e para concluir, quando me vêm falar da pouca produtividade e que Portugal tem um problema de produtividade e não-sei-quê-não-sei-que-mais, digo-vos, Portugal tem um problema sim. Tem um problema de produtividade relacionado com a má gestão, com a ausência de gestão, com a incapacidade de organização e com a incapacidade de coordenação dos meios e dos recursos, que ainda assim vamos tendo e que lá vão funcionando ora mal, ora menos mal. Portugal tem também um problema de irresponsabilidade dos dirigentes que nunca são responsáveis por nada e que na maior parte das vezes têm uma mentalidade terceiro-mundista tipo “Chefe da Junta”. São pequeninos armados em grandes que não descansam enquanto não reduzem os outros à sua própria insignificância e quando deviam ambicionar ser tão grandes como aqueles que visam reduzir.

É terrível saber disto, ver isto a acontecer e não poder fazer nada a não ser expressar a minha “inconformidade” através destes escritos. Não pertenço aos quadros da função pública e ainda bem, não é algo que ambicione. Para o bem e para o mal, antes ser um mercenário com princípios.

7 comentários:

invisivel disse...

Caro amigo anthrax,como eu o entendo!
Na verdade é isso mesmo que se passa.
Acrescento que este sua reflexão está muito bem elaborada, e de muito fácil entendimento.

Anthrax disse...

Muito obrigado caro amigo invisivel. Mas estou cansado de ver sempre o mesmo filme sabe. Porque isto não se passa só neste burgozinho, isto passa-se nos serviços de forma generalizada e chateia.

Chateia porque as coisas podiam funcionar bem e não funcionam porque há um patareco/a que não sabe o que faz.

João Melo disse...

se fosse só os afectos...

Anthrax disse...

Tal como eu disse, meu caro menino mau, os afectos são apenas um dos elementos. Há outros tão, ou mais graves do que os afectos.

João Melo disse...

é verdade sim senhor q disse isso anthrax...eu é q não li com muita atenção..sabe como eu sou ..quando vejo o anthrax fujo logo e nem o vou cumprimentar ;)

crack disse...

Clap, Clap, Clap.
Anthrax, é isto mesmo. Até podemos esquecer as decisões dos "afectos", os pequenos poderes, as incompetências mutuamente "acauteladas", as quotas,a pequenez dos nossos gestorzinhos de nomeação política. Enquanto os dirigentes máximos dos serviços, e os próprios serviços não forem avaliados, os SIADAP's, por melhores que sejam, não resolverão nada. Até, porque, à partida, já enfrentam uma concorrência de peso: a tradicional tendência lusa para o chico-espertismo, para o desenrascanço, para a bajulice do mais ínfimo poder e o favorecimento da mediocridade subserviente.
Um exemplo:quando uma recém-nomeada dirigente de topo entende (e põe em prática) que SIADAP's, certificações de qualidade dos serviços, gestão de recursos humanos e formação dos colaboradores não são coisas importantes e que mereçam um momento da sua atenção, porque só servem para distrair os funcionários das suas tarefas, está tudo dito sobre a reforma e modernização da AP, não está?

Anthrax disse...

Meu caro Crack,

Desconfio que descobriu o "missing link" que os cientistas todos andam á procura. Começo a achar que devíamos contactar o National Geographic.

De que cemitério desenterraram essa criatura do exemplo? É que essa aí já está morta, a primeira coisa a morrer foi o cérebro, mas alguém se esqueceu de a avisar.