terça-feira, abril 28, 2009

A BALADA DA NEVE - AUGUSTO GIL

Batem leve, levemente,  
como quem chama por mim.  
Será chuva? Será gente?  
Gente não é, certamente  
e a chuva não bate assim.  

É talvez a ventania:  
mas há pouco, há poucochinho,  
nem uma agulha bulia  
na quieta melancolia  
dos pinheiros do caminho...  

Quem bate, assim, levemente,  
com tão estranha leveza,  
que mal se ouve, mal se sente?  
Não é chuva, nem é gente,  
nem é vento com certeza

Fui ver. A neve caía  
do azul cinzento do céu,  
branca e leve, branca e fria...  
- Há quanto tempo a não via!  

E que saudades, Deus meu!  
Olho-a através da vidraça.  
Pôs tudo da cor do linho.  
Passa gente e, quando passa,  
os passos imprime e traça  n
a brancura do caminho...  

Fico olhando esses sinais  
da pobre gente que avança,  
e noto, por entre os mais,  
os traços miniaturais  
duns pezitos de criança...  

E descalcinhos, doridos...  
a neve deixa inda vê-los,  
primeiro, bem definidos,  
depois, em sulcos compridos,  
porque não podia erguê-los!...  

Que quem já é pecador  
sofra tormentos, enfim!  
Mas as crianças, Senhor,  
porque lhes dais tanta dor?!...  
Porque padecem assim?!...  

E uma infinita tristeza,  
uma funda turbação  entra em mim, 
fica em mim presa.  
Cai neve na Natureza  
- e cai no meu coração. 

Augusto Gil, in "
Luar de Janeiro"


Nota: Lembrei-me de publicar este poema porque ouvi uma colega minha a declamá-lo e eu, acho sempre extraordinário quando há pessoas que conseguem fazer isto.

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