E eis que quando todos nós pensávamos que isto já estava ultrapassado, surge um novo foco de incêndio.
Abaixo segue a versão completa do e-mail que recebi hoje a propósito da censura
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Exmo. Sr. ou Sr.ª:
Vem isto a propósito do caso Prof. Marcelo Rebelo de Sousa.
Nasci e tenho vivido num pequeno concelho (Pombal) do Litoral-Centro (Distrito de Leiria). Não milito em nenhum grupo partidário. Sou um simples cidadão nascido seis anos antes do 25 de Abril de 1974.
E como cidadão, ingénuo a pensar que haveria liberdade de expressão e de opinião, criei em Julho passado um "blog" na Internet que pretendia ser um espaço de reflexão e de debate de ideias, com críticas construtivas, sobre o que está a acontecer na minha Terra. Nomeadamente sobre a actividade da respectiva Câmara Municipal e outras instituições. Esse "blog" num espaço de dois meses registou mais de 6.700 visitas, tendo sido comentado em grande número por outros cidadãos/munícipes.
A respectiva autarquia, presidida pelo social-democrata Eng. Narciso Mota, nunca usou o princípio do contraditório. Apesar de reconhecer que alguns dos temas abordados tinham a sua veracidade, alterou alguns procedimentos, dando razão ao que por lá se escrevia.
Reconhecendo que o "blog" era incómodo para o Poder (leia-se, Câmara Municipal), o senhor presidente entendeu que a melhor forma de usar o "contraditório" era acabar com o mesmo. Vai daí, entrou em contacto com
a direcção/administração da empresa onde eu trabalhava e denunciou a sua
existência, fazendo ver que o "blog" era "gerido" em horas de expediente.
A direcção da empresa de imediato, e justificando que aquela situação lesava a relação institucional com a Câmara Municipal, até porque necessitava desta para legalizar algumas situações pendentes, despediu-me. Isto, não argumentando com falta de profissionalismo ou de produtividade. Mas sim, porque o senhor presidente da Câmara assim os contactou para o efeito.
Esclareci a situação e comprometi-me a eliminar de imediato o "blog", o
que foi feito e aceite. Precisamente um mês depois, e pelo meio alguns
encontros realizados entre o presidente da Câmara e a direcção/administração da empresa, fui novamente confrontado com o despedimento. E perante duas
opções: instauração de processo disciplinar ou demissão voluntária, optei
pela segunda. Ou seja, a intervenção do senhor presidente da Câmara Municipal de Pombal neste processo é um facto. Tanto o é que um dos seus vereadores
afirmou perante algumas pessoas "já acabámos com o blog".
Esta situação é notoriamente idêntica à que aconteceu com o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa. Na sua proporção, obviamente. Mas, com um senão. o meu futuro. Estou desempregado, com duas crianças de 20 meses para criar, casa e carro para pagar. E esposa também desempregada.
E tanto mais que, ainda há dias, ouvi da boca de um eventual empregador: "reconheço que és a pessoa indicada para o meu projecto, mas quando o senhor presidente da Câmara soubesse, caía o Carmo e a Trindade. E eu não quero ter problemas com esse senhor".
É triste que 30 anos depois de uma revolução, ainda haja quem de uma forma nojenta e vergonhosa, censure as vozes discordantes para que estas não expressem livremente as suas opiniões.
Com os melhores cumprimentos
Atentamente
Orlando Manuel S. Cardoso
E-mail: orlando.cardoso@zmail.pt
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E agora o meu comentário:
Para além do facto de que os blogues são indigestos para qualquer instituição de cariz governamental, devo confessar que o Sr. Orlando Cardoso foi um tanto ou quanto ingénuo nas suas lides internéticas.
A internet tem o potencial do anonimato e isso não foi tido em conta por este cidadão atento e interessado. Pensou que podia desafiar a autoridade instituída (personificada no excelso Presidente da Câmara de Pombal), e sair impune. Meu caro, estamos em Portugal, como já tive oportunidade de exprimir em textos anteriores, aquilo que nos diferencia da América Central e do Sul é a localização geográfica.
Poderia dizer-se que a internet permite o anonimato, mas pode sempre encontrar-se o rasto do utilizador. É verdade. Mas para isso a Câmara Municipal e a Empresa empregadora de objectivos dúbios teriam de um especialista a trabalhar para eles e esses especialistas (desde que não sejam da P.J), fazem-se pagar muito caro e se não fazem, então são tontos de certeza absoluta.
Relativamente às opções que tinha pela frente, o amigo escolheu a pior delas todas. Quando se trata da defesa de princípios, vale a pena enfrentar qualquer processo disciplinar. Assim, não só acabou com o blogue (algo que jamais deveria ter feito, até porque lhe seria muito útil neste momento. 6700 visitas não é algo que se deve atirar á rua, são muitos votos que contam para a eleição de um autarca), como acabou por se despedir voluntariamente, sem direito ao subsídio de desemprego. Foi uma má jogada. Uma ingenuidade que pagou a preço elevado. E agora, encontrar emprego numa terreola onde todos têm rabos-de-palha é dramático, só podia ser. A melhor solução é agarrar nas suas coisas e refazer a vida noutro local, algo que nunca é uma opção para o típico português porque mobilidade é uma daquelas palavras que não faz parte do vocabulário pessoal.
É claro que, se estiver muito aborrecido mesmo e não quiser sair de Pombal, existem outras maneiras de expressar o descontentamento (a greve de fome não é uma delas visto que já ninguém se comove com isso). Uma dessas maneiras é arranjar um tractor cheio de estrume (de preferência daquele fresco, o seco não tem tanta graça), e despejá-lo na Câmara Municipal (não batam palmas porque esta ideia não é minha, tem autor e o seu dono é um velhote escocês que a utilizou como forma de protesto. Vi isto uma vez na RTP2 e achei lindo, para além de inovador e criativo).
Meu caro amigo, errar é humano, mas baixar os braços e calar-se é muito pior. Você tem uma cabeça e um cérebro, faça uso deles.
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