terça-feira, agosto 09, 2005

OS INCÊNDIOS, O CONTEXTO CULTURAL E OUTROS AFFAIRS

Ouvi ontem nas notícias que Portugal tem muitos mais incêndios, por metro quadrado, do que Espanha.

Não sei porquê, não me surpreendeu. Algumas das causas que apontavam para tal era, no fundo, a falta de civismo do povo Português. O que, diga-se em abono da verdade, também não me surpreendeu. A falta de civismo do povo Português está enraizada no nosso contexto cultural que, em última análise conduz ao debate sobre os estado da Educação (ou a falta dela).

Dizer que sempre foi assim é como dizer, no local de trabalho ‘Sempre se fez assim’, o que inevitavelmente nos leva a perguntar; ‘E não tendes cabecita para pensar um bocadinho?’

Não vou defender o governo e muito menos o «tio» Sócrates (porque apesar de estar a trabalhar à 7 meses e ter direito a 11 dias de férias, enquanto Chefe do Governo deveria ter permanecido no país. É óbvio que não poderia impedir os fogos, nem as pessoas de perderem os seus bens, mas ao ter ido de férias para o Quénia a mensagem que transmitiu foi a de; ‘Vá! Governem-se e não me aborreçam!’, isto é, deixou a mensagem «I don’t care», quando o timing era para dizer «I am here and I do care.»). Contudo, numa das últimas intervenções dele houve uma coisa que ele disse que me ficou na cabeça e que foi, exactamente, essa história dos Portugueses terem a mania de dizer ‘Sempre se fez assim’, havendo que contrariar essa tendência. Quanto mais não seja, também concordo com isso. O que me preocupa não é o princípio, mas sim o ‘Como?’.

Lá diz o provérbio “Todos os caminhos vão dar a Roma”, o que é uma verdade. Mas aqui trata-se de saber qual o melhor caminho para lá chegar. Admito que muitos pensem que, no nosso caso e na maior parte das vezes, não se trata de encontrar o melhor caminho mas sim o único caminho possível como se não existissem outras possibilidades. E é nisto que discordamos estejamos a falar de finanças ou de outra coisa qualquer. Nunca existe um único caminho possível. Existe uma diversidade de caminhos e todos eles são possíveis, tudo depende dos resultados que se querem obter e com que grau de consistência. Se continuarmos a achar que a distância mais curta entre dois pontos é uma linha recta e quisermos chegar a Roma, num ápice, ao volante de uma caranguejola velha, é claro que à partida é possível. Mas na viagem pode-nos acontecer uma série de coisas que vão desde, ficarmos pelo caminho porque a ‘Relíquia’ dá o berro antes de chegarmos ao destino, até chegarmos onde queríamos e depois não podermos voltar porque levámos ao limite o nosso único meio de transporte. Em qualquer um dos casos, nenhum dos resultados é sustentável e/ou consistente.

Aqui há um par de anos atrás, estava eu mais uns colegas meus num daqueles jantares de confraternização que o IEP (Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica) organiza, numa amena discussão sobre a falta de civismo que é o estacionamento das viaturas em 2ª fila e como isso empata o trânsito desnecessariamente. Quase todos concordámos que os indivíduos que fazem isso deviam ser chicoteados em praça pública. Mas eis que de repente, nos aparece um irredutível Gaulês pela frente. Era o advogado do contencioso da Air Luxor e uma outra coisa qualquer da Assembleia Municipal de não-sei-onde (ainda por cima do PSD). Bom, dizia ele que estacionar em 2ª fila já fazia parte da cultura Portuguesa. Era já uma tradição e havia que compreender e ser tolerante. Como devem calcular, nós – os Romanos – ficámos doidos com o desplante do bárbaro.

Ficámos também preocupados. Não porque ele era advogado, mas porque pertencia à Assembleia Municipal de não-sei-onde. Ou seja, para melhor ou para pior, sempre tinha um cargo político (e discursava como tal. Falava, falava, falava mas não dizia um boi. Isto para as pessoas objectivas faz um bocado de confusão). Nenhum de nós tinha nada contra a tolerância, mas tínhamos contra a falta de respeito pelo próximo e para nós, estacionar viaturas em 2ª fila revelava exactamente isso. À laia de brincadeira acabei por lhe dizer; ‘Acho que tens toda a razão. Também pagas os teus impostos, mais o imposto de circulação, tens o direito de aparcar o carro onde muito bem entenderes, mesmo que seja no meio da rua. E os outros têm o dever de te compreender e de te tolerar. Lembra-te sempre disso quando estiveres no lugar dos outros.’. Que outra coisa havia eu de lhe dizer? ‘Chiiii meu! O tico e teco foram de férias para as Bahamas e não te disseram nada!’. Claro que não. Para além disso, naqueles jantares não podemos dizer essas coisas, dá mau aspecto e um ar muito pouco inteligente... Eles não gostam (aliás, aquela gente não gosta de muita coisa o que é uma pena, porque se abrissem mais a pestana e não estivessem tão espartilhados, até seriam capazes de reconhecer a genialidade quando esta lhes aparecesse pela frente. Mas as histórias sobre o IEP ficam para outras núpcias).

Adiante, falávamos então da falta de civismo, dos incêndios, do estacionamento em 2ª fila e dos caminhos para Roma. Mas há mais. Outra coisa que me deixa, particularmente, encanitado nesta altura do ano é falta de conhecimento dos jornalistas. Eu não queria dizer que são burros, mas de facto também não posso dizer que primam pela inteligência. Sempre que chegamos ao mês de Agosto, começa a história dos emigrantes. Quando é que aquelas criaturinhas vão entender que, emigrantes são, somente, aqueles que vêm de fora do continente europeu? Será que ainda não perceberam que aqueles que vêm dos Estados Membros da União já não são emigrantes? Será que também ainda não perceberam que a denominação é pejorativa? Será que ainda não perceberam que enquanto continuarem a não fazer a distinção, estão-nos a reduzir a pedreiros e empregadas domésticas? E tudo isto no pior sentido possível? É que a bem ver, uma empregada doméstica Ucraniana tem mais cultura do que uma portuguesa, por isso não sei se estão bem a ver a dimensão da coisa. Os media em vez de estarem a contribuir para a educação, há muito que se divorciaram desse papel, preferem agora promover a imagem do povo português como burro e chucro acabando, no processo, por serem tão burros e chucros quanto a imagem daqueles que promovem. É impressionante. Até porque também ainda não perceberam que o excessivo tempo de antena que estão a dar aos fogos, faz com que os malucos saiam à rua para ir pegar fogo às coisas. A linha que separa aquilo que é informação daquilo que não o é, é muito ténue e um dia destes os senhores da comunicação social vão perceber que o grande debate, já não é a guerra de audiências nem a rapidez com que se chega ao local do evento, mas a qualidade e a fiabilidade da informação.

Poderia continuar a escrever, estou inspirado e o texto até me está a sair bem, mas isto já vai longo e no entretanto vocês já se devem ter perdido ou parado de ler. A mim, parece-me claro que vou ter de dividir este texto em dois, por isso, de momento vou ficar por aqui (até porque tenho de ir traduzir umas coisitas sobre liderança, um tema giro para falar um dia destes).

Me aguardem!!

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