Tirando o facto de achar que os meus gostos andam a ficar um pouco estranhos, ontem tive oportunidade de ver mais um "episódio" do programa Opinião Pública que versava sobre a polémica questão da avaliação dos professores.
Bom, como já deve ter dado para perceber, trabalho no sector da educação e como consequência, trabalho com diversos "agentes educativos" e instituições que não, somente, professores ou escolas. Também não é menos verdade que meia volta, tenho um ataque e, desato a criticar os professores a torto e a direito. Estou numa posição isenta o suficiente para o poder fazer, principalmente, porque não sou professor. Mas, quererá isto dizer que estou em posição de os avaliar?
Não. Não estou.
Não sou competente para avaliar práticas pedagógicas e muito menos competente para dizer se um professor é "bom" ou é "mau" só porque os alunos não alcançam os resultados desejados. Posso ter uma opinião sobre se um professor tem um "bom" ou um "mau" comportamento e até posso transformar isso num estudo (material é o que não me falta), mas jamais poderia afirmar que esse comportamento se traduziria num "bom" ou num "mau" desempenho profissional.
Agora, tanto quanto eu percebi até agora, é que se quer pedir aos pais que façam a avaliação dos professores com base naquilo que desconhecem sendo que, as coisas pioram consideravelmente, quando essa avaliação conta (mesmo que seja numa pequena percentagem) para a progressão na carreira.
Isto é, de facto, um insulto a toda a população de docentes. Quer dizer, isto é quase a mesma coisa que agarrar no Zé da Esquina e dizer-lhe: "Olhe, agora vá ali à NASA porque tem de ir avaliar o trabalho dos nossos Físicos Quânticos."
É claro que numa perspectiva destas, não é possível considerar que esta proposta de avaliação de docentes seja séria ou que assente em princípios de boa-fé.
Outra coisa gritante e que me irrita profundamente é o fazer as coisas sempre na óptica da punição. Por isso, também não me admira nada que a mente dos portugueses reaja sempre mal às avaliações sejam elas quais forem. Estamos condicionados para isso e infelizmente, exemplos como este só servem para reforçar a ideia de que; avaliação = mau.
Esta óptica está presente neste tipo de avaliações que se pretende que sejam implementadas para os professores. Está presente nas avaliações da função pública e está presente no "processo de qualidade" em curso, aqui deste pequeno burgo. E isto prende-se com o quê? Com a questão da gestão por objectivos.
Não sei - nem tão pouco me interessa saber - quantas pessoas, na função pública, algum dia trabalharam, ou pensaram que trabalharam, por objectivos. Mas, eu já trabalhei em equipa e por objectivos numa organização americana, por isso, sei em primeira mão do que se trata.
Trabalhar por objectivos é, em primeiro lugar, um processo que pretende motivar os trabalhadores para a obtenção de mais e melhores resultados. Não parte de uma óptica de punição porque é contra-producente. Parte sim, da óptica do prémio. Isto é, quando os objectivos são alcançados, atribui-se um prémio aos trabalhadores. Quando os objectivos são excedidos, o prémio atribuído aos trabalhadores é maior e quando não se alcançam os objectivos, não há prémio para ninguém.
Neste cenário, há também lugar à valorização do desempenho profissional através do mérito. Aqueles que mais se destacaram, pelo seu desempenho profissional individual, no alcançar dos objectivos têm um prémio extra no final do ano. A progressão na carreira é feita com base numa reavaliação do curriculo e com base no desempenho profissional individual porque, o facto de haver uma vaga disponível para outra posição mais apetecível dentro da organização, não significa que o A, o B, ou o C tenham perfil ou competências-base para desempenharem essas novas funções.
Não se trata, portanto, de uma questão de quotas.
No caso da função pública e dos docentes, a avaliação de desempenho é uma verdadeira palhaçada, tal como o mito instituído de se trabalhar por objectivos e a primeira pergunta que, aqueles que "parece que vão trabalhar por objectivos", devem fazer é:
- O QUE É QUE EU VOU GANHAR COM ISSO?
Se não houver ganho nenhum, ficam logo a saber que está qualquer coisa errada.
Se a resposta for: "Pelo menos, não vou para a rua". Ficam logo a saber que aquilo que estão a fazer não é trabalhar por objectivos, que os vossos dirigentes não são pessoas nem competentes nem de boa-fé e que as vossas avaliações de desempenho são uma fraude e que só servem para, na melhor das hipóteses, encher chouriços, embora possam ter outras utilidades na área da reciclagem do papel.
Se a resposta for: "Vou progredir na carreira.", desenganem-se e lembrem-se da máxima: «There's always a bigger fish in the ocean». Estas avaliações, além de mal concebidas, não são isentas, nem imparciais. São feitas com base em juízos de valor, pessoais e altamente subjectivos que assentam na promíscuidade de relações existentes no local de trabalho. Na maior parte dos casos, quem dirige não sabe qual é o seu lugar e quem é dirigido, também não sabe qual é o seu lugar. Como diriam os "amaricanos", «It takes two to tango».
E com isto, me vou e deixo-vos aí a pensar.
4 comentários:
Esta história da avaliação dos professores faz parte de uma opção política deste governo [e nesta matéria dá continuidade às políticas dos anteriores governos] que identificaram a avaliação como uma componente da sua estratégia de controlar a despesa pública. Menos interessado numa avaliação dos processos [mais interessante sob o ponto de vista da regeneração das organizações], este governo dá ênfase aos resultados, presumindo que a instituição Escola se tornará obsessiva em relação ao seu desempenho. E a ironia do destino é que um governo socialista faça a apologia de uma Estado neoliberal…
É óbvio que nada do que disse vos fará pensar ;)
Meu caro Miguel, pois muito bem dito.
Cara Cristina,
É uma história bastante complicada.
Caro anthrax: gostei muito deste seu post. Muito interessante, e é para mim particularmente importante ouvir alguém digamos "de fora".
Obrigada pela lucidez e honestidade. E também pelas dicas !... :)
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